A VERDADE DEVE SER MOSTRADA

Obesidade infantil no Brasil preocupa médicos


Em 20 anos, o sobrepeso mais do que dobrou entre meninos, e triplicou entre meninas.

As estatísticas apontam que a obesidade entre crianças é a que cresce mais rapidamente no Brasil, e o cenário agravado por mudanças nos hábitos alimentares, ampla oferta de produtos hipercalóricos e menos atividades físicas nas horas de lazer preocupa médicos que lidam com o problema

Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), indicam que, em 20 anos, os casos de obesidade mais do que quadruplicaram entre crianças de 5 a 9 anos, chegando a 16,6% entre meninos e 11,8% entre meninas.

Inês Rugani, professora da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e sanitarista do Instituto de Nutrição Annes Dias, diz que a situação é preocupante.

- É de chorar como está vertiginoso o aumento, como o ritmo está maior. A obesidade vem aumentando faz tempo entre os adultos, mas não era observada na infância dessa forma.

Tratamos a obesidade infantil como uma epidemia pelo ritmo vertiginoso de aumento que está tendo no mundo, e o Brasil está acompanhando esse fenômeno.

Ela aponta que, em contrapartida, o processo de desnutrição está em processo de superação no país.

Quando se consideram também as crianças com excesso de peso, o problema é ainda mais alastrado. De 1989 para 2009, o sobrepeso mais do que dobrou entre meninos, e triplicou entre meninas.

Hoje, um em cada três meninos e meninas de 5 a 9 anos está acima do peso normal para a idade. O fenômeno é grave também entre pessoas de 10 a 19 anos, faixa de idade em que o excesso de peso gira em torno de 20%.


Entre os fatores que levam ao aumento de peso ainda na infância, especialistas destacam mudanças no padrão alimentar, redução da prática de atividades físicas nas horas de lazer e diferentes hábitos nas refeições - não raro feitas de frente para a televisão.


O endocrinologista pediatra Paulo Solberg explica que as brincadeiras infantis mudaram e tornaram as crianças mais sedentárias.

- Os jogos antes eram na rua ou na pracinha, as crianças gastavam energia', diz o endocrinologista pediatra Paulo Solberg. Hoje, as brincadeiras são no videogame. A noção de que elas têm que fazer atividade física é nova, porque antigamente elas faziam naturalmente. Isso tem que ser passado para os pais e filhos.

Excesso de calorias

O aumento do consumo de alimentos de alto valor calórico, muitas vezes industrializados, também contribui para a obesidade - assim como o hábito de fazer refeições ou lanches fora de casa.

De acordo com dados do IBGE, quase 50% dos adolescentes comem fora de casa no dia a dia. Entre os itens mais consumidos na rua estão salgadinhos (fritos, assados ou industrializados), pizza, refrigerante e batata frita.

A nutricionista Rosana Magalhães, pesquisadora do departamento de Ciências Sociais da ENSP (Escola Nacional de Saúde Pública), da Fundação Oswaldo Cruz, diz que a propaganda influencia os hábitos alimentares das crianças.

- A propaganda de alimentos faz esse apelo também, alimentos mais coloridos, milhares de biscoitos recheados. Os alimentos processados tendem a ter uma densidade energética absurda e perdem a gama de nutrientes que tinham, ficam muito estéreis.

O custo de ter itens saudáveis na alimentação também pode pesar. Mãe da pequena Mylena, Luciane Queiroz Costa está desempregada e diz ser "entre trancos e barrancos" que consegue ter uma fruta ou legume na geladeira para a dieta da filha, que tem 8 anos e apresenta quadro de obesidade.

- A dificuldade é manter a geladeira com legumes e frutas pelo preço que está. Está tudo muito caro, fica complicado.

Há quatro anos, Mylena vem sendo atendida em um projeto de prevenção à obesidade infantil no Hospital Universitário Pedro Ernesto, da UERJ. Começou recebendo orientação de nutricionistas, e há duas semanas teve sua primeira consulta com endocrinologistas para verificar se tem problemas metabólicos.

As tentações do dia a dia são um dos fatores que dificultam a sua dieta, e a mãe tem dificuldades para controlar a alimentação da filha. Luciane nem sempre resiste às súplicas de Mylena para levá-la a uma rede de lanchonetes.

Tratamento

O tradutor e intérprete inglês Peter Lenny, pai do jovem Thomas John Niskier Lenny, de 13 anos, também enfrenta dificuldades com a alimentação do filho, que há dois anos luta - com sucesso - contra a balança.

- É muito difícil tentar reeducar uma criança em uma cultura que só empurra biscoitos e balas para as crianças o tempo todo.

Lenny conta que doces e balas estavam na vida de Thomas "o tempo todo".

- Como a turma dele na escola tem 30 crianças, isso dá em média dois aniversários por mês. Ele saía das festas com os bolsos cheios de doce e traçava em dois, três dias. A gente sempre quis dar a ele responsabilidade para que aprendesse a administrar as suas coisas. Mas deu no que deu.

Aos 11 anos, Thomas estava acima do peso. Acabou procurando o IFF (Instituto Fernandes Figueira), unidade da Fiocruz que oferece tratamento para obesidade infantil.

- Eu já não aguentava mais, aquilo estava me deixando mal comigo mesmo. Quando descobri que não estava só gordinho, e sim com obesidade leve, foi um baque terrível.

Em abril, o jovem recebeu alta da nutricionista e do instrutor de educação física do IFF, após chegar a um peso considerado normal para sua idade.

R7.com

- Agora estou feliz, fiquei muito satisfeito. A minha autoestima melhorou, tudo melhorou.

O adolescente agora não ouve mais zombarias de colegas na escola e incorporou os cuidados com a alimentação e os exercícios físicos à sua rotina.

Políticas públicas

Para estimular hábitos mais saudáveis entre as crianças, a nutricionista Inês Rugani destaca a importância de políticas públicas para regulamentar tanto a alimentação em cantinas de escolas como para impor restrições à publicidade de alimentos.

Tentativas recentes de regulamentação do setor foram alvo de protestos da indústria.

- Se você tem um ambiente que promove a obesidade, não há comportamento adequado que dê conta.

Segundo a nutricionista, a palavra-chave no combate à obesidade é prevenção.

- Quando você desenvolve a obesidade na infância e adolescência, a chance de você continuar obeso na vida adulta é muito grande. Essa deve ser uma prioridade de saúde pública, ainda mais diante do aumento que estamos observando.

Paulo Solberg ressalta a importância de que a criança seja acompanhada por um pediatra, que vai poder apontar quando a criança não está apenas "fofinha, saudável ou forte" - como muitas vezes são vistas pela família - e se está ganhando peso demais.

- O pediatra é uma peça fundamental no diagnóstico precoce e na orientação dos pais. Aquela criança gordinha, que a gente achava bonitinha, hoje em dia é vista de outra maneira, porque pode vir a ter problemas de saúde se continuar assim.

Nenhum comentário: