Não adianta gritar "Jogue suas tranças". Nascida em uma comunidade que cresceu em meio à violência, a Rapunzel do Vidigal, Rio de Janeiro, não abre a porta para estranhos. A casinha onde a dona da impressionante cabeleira de 1,60m vive com os pais e o irmão parece vazia. Mas, logo, a mãe aparece na rua.
Ela está em casa, sim, mas está guardada. Nem pro irmão abre. Só para mim — diz Catarina Moraes, de 40 anos, com as chaves do "castelo" nas mãos.
Nathasha Moraes de Andrade, de 12, dorme no quarto. No cômodo apertado, sem janelas, mal cabem cama e estante. Mas ele é decorado com bonecas, desenhos de princesas e até castelo de brinquedo. Seu sonho é vender a cabeleira por R$ 10 mil para construir aposentos dignos de princesa no terreninho dos pais, ao lado da casa na favela.
A família, católica praticante, ouve sempre a pergunta: "Foi promessa?". Eles juram que não. Tímida e criativa, Nathasha se apaixonou pela heroína dos contos de fada ao ver o filme "Barbie Rapunzel". Jamais deixou que lhe cortassem os cabelos. A mãe fez a vontade da menina. Criada na roça, Catarina prefere que a filha conviva com personagens da ficção infantil a enfrentar a realidade violenta.
— Criança de comunidade não pode ficar na rua. É perigoso decreta a mãe.
O que era sonho virou prisão. Nathasha não suporta aulas de educação física por causa do peso do cabelo. Evita ir à praia. Caseira, adora brincar com seus animais, como o jabuti Tiririca e os gatos Chilindrina, Sonequinha e Nina, além de gansos, perus e coelhos criados pela mãe no terreno. O irmão Caíque, de 6 anos, quer fazer escolinha de futebol, mas o cabelão amarra a todos dentro de casa. E quando chegar a hora do sonhado corte?
— Vou sentir falta do cabelo — suspira Nathasha, penteando a cabeleira que já envolveu toda a comunidade, e virou lenda dentro do Vidigal.
O DIÁRIO DA RAPUNZEL
1 - Pentear os cabelos da Rapunzel parece um dos 12 trabalhos de Hércules: é uma hora e meia de maratona para lavar, e de quatro a cinco, para pentear. Quem encara essa dura tarefa é a mãe, Catarina. Os fios são molhados e massageados, esfregando-se a cabeleira com as mãos, como se fosse lavagem de roupa. O ritual acontece uma vez por semana, sempre aos sábados.
2 - "Eu vou, eu vou, pra casa agora eu vou". Em época chuvosa, o lema dos sete anões serve como uma luva de pelica e rosa, claro para a menina do Vidigal. Por causa do cabelão, ela evita tomar chuva, com medo de que os fios mofem. Se algum pingo cai nas madeixas, é preciso encarar novas seis horas e meia para lavar e pentear o cabelão.
3 - Xampu, para a Rapunzel, é como espinafre para o Popeye. Indispensável. Um vidro de 500ml, pasmem, dá só para duas lavagens. O ritual fica completo com condicionador e óleo de hidratação. "Nunca deixo de lavar, nunca. Se não tenho dinheiro, eu pego fiado na farmácia. Vendo uma galinha e pago o xampu. Mas pago", diz a mãe, que gasta cerca de R$ 70 por mês com a manutenção da cabeleira.
4 - No dia a dia, Nathasha trança os cabelos como uma princesa medieval. Parece Guinevere, mocinha disputada por Rei Artur e Sir Lancelote, nas histórias da Távola Redonda. Os cabelos são trançados e enrolados em dois rabos de cavalo. O enorme penteado lhe ocupa até o meio das costas. E serve para a menina passear pelas ruas sem chamar — tanta — atenção.
5 - "Você é a Rapunzel de verdade?", pergunta uma menina. "Joga as tranças", grita um rapaz, já doido para ser o príncipe. Se solta as tranças, Nathasha atrai todas as atenções na rua. "Na escola, meu cabelo faz sucesso. Nunca tive problema", diz. (Clarissa Monteagudo)
Autor Reginauro Silva e Denise Bicalho
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